(imagem disponível no www.corbis.com)
Acho que não sei mais escrever. Não como antes, que as palavras apareciam na minha frente em forma de frases inteiras e eu dificilmente editava meus textos.
É, acho que a rotina finalmente me sufocou. O concreto dos prédios secou o meu mundo de imaginação.
É dificil sonhar com contas pra pagar e trabalho batendo todos os dias no relógio. Pensei em escrever para o meu pai esses dias... Pensei em contar que chorei esses dias porque não me lembrava mais do rosto de uma das mulheres mais importantes da minha vida que morreu há poucos anos. Pensei em escrever sobre todas as bolinhas de sabão que eu não fiz mais.
Pensei também nos meus medos e no texto que eu fiquei de escrever sobre um sonho que tive onde as pessoas eram pequenininhas e viviam debaixo da terra carregando pedras. Tinha uma árvore na ponta do mundo, onde coloquei um pneu e me balancei pra enxergar as casinhas lá embaixo.
Do sonho eu me lembro, mas nem me recordo do porquê de não ter escrito.
Eu nunca fui fã de rotina. Sempre gostei de andar pela calçada tentanto encontrar algo que nunca tinha olhado antes.
E justo eu, hoje estou aqui tentando escrever sobre o cotidiano que sempre me fascinou, pois quando eu tinha mais tempo de olhar para os meus sonhos, as palavras vinham mais facilmente. Acho às vezes que não as mereço mais. Deixei a rotina roubar o meu mundo fantástico, deixei de escrever sobre os sentimentos que me moviam, deixei o ar cinzento me acostumar a não ver o céu.
Queria mesmo escrever sobre meu pai. Ele que me presenteou com tantos livros, que me ensinou sobre a métrica e a rima, que contou inúmeras vezes sobre Fernando Pessoa e tantos outros autores bacanas, e eu nunca publiquei nada sobre ele. Talvez por ter permitido que nossas enormes diferenças se transformassem num abismo literário. Queria poder fazer um texto todo sobre a nossa convivência, mas hoje não. Ainda não é hora de falar sobre culpas e agradecimentos, nem dizer o quanto ele é importante para eu continuar a escrever.
Não quero me transformar no homem de lata da foto, não quero ter que andar por aí procurando meu coração. Gosto dele, gosto até quando ele quebra, pois faz me sentir viva e me deixa escrever sobre meus sentimentos.
Não quero deixar que a rotina me tire minhas palavras, não quero esquecer do rosto das pessoas que mais me fizeram sentido na vida, quero conseguir escrever sobre meu pai.
Quero todos os meus sonhos coloridos de volta, quero quebrar o concreto em volta deles e voltar a falar sobre os meus sentimentos.
sexta-feira, maio 23, 2008
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