quarta-feira, fevereiro 19, 2014
A paz do fim
Li um texto hoje e me lembrei imediatamente da minha vó Diva.
Engraçado é que lembrar dela é justamente falar de memórias...
Ao fim, ela já não lembrava mais de nada. Nem de mim, nem dela. Um vazio que foi roubando tudo, devastando até sobrar um par de olhos azuis me olhando e tentando se reconhecer.
Eu sempre tive medo do tempo levar o rosto dela de mim, de ter que fazer esforço para lembrar como ela foi.
Que com o passar dos anos sem ela, a memória me traísse quando eu tentasse fechar os olhos e a enxergar novamente.
Mas eu lembro de tudo como se fosse hoje. Do cheiro dela, os trejeitos que volta e meia reconheço no meu próprio filho. A coçadinha no nariz que ele faz igual e o jeito que ele mexe as mãos como ela fazia. Laços fortes que ele mal sabe que carrega.
E as vezes quando sinto o cheiro dela pela casa, cheiro de café fresquinho e geléia de uva fervendo no fogão.
Quando sinto o cheiro do sabonete dela, quando vejo uma roupa estampada que ela adoraria, quando me pego na cozinha quase ouvindo a voz dela comandando: - não misture os panos!
E assim ela volta um pouco pra mim.
Difícil era se despedir de alguém que ainda estava vivo, pois cada dia de Alzheimer é um dia de despedida. É perder a pessoa que você mais ama ainda ali, na sua frente, esvaindo...
Hoje me bateu uma saudade violenta. E é triste dizer que eu tenho que me esforçar mais pra lembrar dela antes da doença.
É ter que voltar no tempo pra lembrar dela quando ela ainda lembrava de mim.
Um luto que foi tão esticado até arrebentar o coração e chegar ao fim.
E ter mais dela agora em lembranças do que havia ao final de tudo.
Mas me lembro como se fosse hoje, em um dos nossos últimos momentos ela me olhando, me reconhecendo e me dizendo:
- A saudade nos leva pra perto de tudo aquilo o que amamos.
Lá no fim eu a tive de volta, eu e ela com uma última lição.
Ela estava lá o tempo todo, tive a certeza.
Do fundo da alma, em um suspiro de paz eu soube ela vivia aonde havia amor.
É o ciclo.
Ela esteve ao meu lado nos meus primeiros passos e eu estive lá quando ela não sabia mais andar.
Ela estava lá enquanto eu aprendia a falar e eu ao lado dela quando ela esqueceu as palavras...
No meu primeiro banho e em seu último banho.
Em meu grito de olá ao mundo e o a sua silenciosa despedida.
E todos os dias eu me lembro de tudo o que ela é em mim. E não quero esquecer. Não quero esquecer.
E se um dia a memória me falhar também, saibam que estarei ao lado dela, perto de tudo o que amei.
ps: o texto que me lembrou da minha avó aqui. obrigada pela inspiração =)
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