quarta-feira, outubro 17, 2007

As horas


Meia noite e ela sorri. Às quatro da tarde ela anda pelo centro. Conta os passos na escada de casa logo depois das cinco e meia. Nove horas ela se arruma. Da noite? Da manhã? Ela só quer deitar na grama e deixar a formiga passar. Espera o irmão chegar. Planos mirabolantes para executar. Algumas pessoas passando, nenhuma no seu passo de bailarina.

O avião passa por sua cabeça oca. Meia hora se passa sem ela sentir. Conta historinhas sem se preocupar com o relógio. Ela prefere as suas no lugar da sessão da tarde. Se ela contasse todos os seus devaneios, até os mais tolos, eles têm gosto de pudim de brigadeiro. Alguns outros são meio amargos demais.

Nem o monstro do armário causa mais medo. É só fechar as portas. E o bicho embaixo da cama não vem mais quando ela dorme tranquila às seis. Ela dorme e suspira. Acorda sem o horário a arrancar da cama. Ela dança desajeitada pela casa, afinal só o porquinho e o pinguim podem assistir ela dançar às oito.

A menina cabeça oca quer que os caminhos a levem pra perto da rodoviária aonde o irmão chega no ônibus de cometa. Outro dia ele chegou nove horas da manhã do aniversário dela. E ela sorriu e chorou ao mesmo tempo. E ele riu de ver ela ali chorar, e abraçou sem nem falar, sorrindo.

Meio dia despontando logo ali. E ela ainda finge sorrir. Cometa já levou o irmão e a rotina sem planos mirabolantes a sufoca. Ela quer gramado verde, quer cair como as folhas no chão. Quer girar até o mundo ficar no lugar de novo. Quatro horas ela está de coração partido. A fragilidade das horas que passam sem ela ver. Os minutos sempre passam por ela sem dizer adeus. Ela some de novo as duas e vinte e cinco. Ela sempre some assim.

O monstro do armário ainda está lá e ela sabe. Os pedadelos ainda estão no canto escuro do quarto. O lobo ainda assopra pra tentar entrar em sua torre de concreto. Ela pensa que seu muro é alto demais pra alguém entrar. Ela pensa que o único contreto em sua historinha é o prédio que tapa seu sol as seis da tarde. Ela é a princesa que desaba do castelo toda vez.

Faltam poucas horas pra ela chorar sorrindo outra vez. Ela sempre está dois passos atrás do ponteiro, não importa aonde vá. A historinha dela nunca tem fim, nem começo nem algum sentido qualquer. Só as horas a divertem agora. As que passam rápido demais pra ela lembrar.

4 comentários:

Artur Guarnieri disse...

Se cada segundo representa uma fração de nossa vida. A vida, no fim, não passa de alguns segundos. Então, não se lamente, deite-se na grama verde. Não há tempo para o que não é vida.

Hein, rique disse...

e o aniversário do irmão está por chegar.

que tal chegar e me deixar boqueaberto com uma presença doce e alegre, que a irmã traz junto consigo, alem de todo esse sentimento?

;*

gabi disse...

afinal, um segundo é muito para perder e pouco para aproveitar...

(:

Luara Quaresma disse...

cara, vc escreve muiito bem *-*